05 dezembro 2014

Crônica da despedida

Estou aqui para fazer uma despedida. Portanto, serei breve.
Nossos grandes escritores estão morrendo.  E todos de uma vez.
Como dizia um colega meu, sergipano, “Deus quando manda, manda de ruma”.  Comecei a tomar consciência disso quando perdemos o Chico Anysio. Não sei se os críticos literários o consideram grande escritor ou apenas um humorista mas, para mim, ele era ambas as coisas. Assisti a alguns espetáculos dele, inclusive um em Manaus, imaginem, onde a plateia delirou. Por que em Manaus? Porque ele estava lá e eu também.

Depois veio o... - veio, não, foi-se - o Millôr Fernandes que  não só  foi  grande escritor mas também teatrólogo, poeta, caricaturista e, sobretudo, um grande filósofo. O meu primeiro encontro com Millôr foi uma piada. Eu estava em Natal, para a inauguração de uma fábrica. Amparados pela  sombra de cajueiros, os convidados tomavam aperitivo enquanto aguardavam a hora do almoço. Eu me aproximei de uma mesa onde estavam sentados alguns colegas de trabalho. Um deles não me pareceu muito familiar, mas me lembrava  alguém. Despejei-lhe um tapão nas costas e disse:  “Nossa! Como você é parecido com o Millor”.
Ele apontou o dedo indicador da mão direita para o meu nariz, enquanto afagava, com a mão esquerda, a parte dolorida do ombro, e disse:  “Eu sou o Millor” !

Seguiu-se o João Ubaldo, prematuramente. Foi difícil de acreditar. Eu me acordava cedo, todos os domingos, só para ler suas crônicas. Ficou a saudade da Ilha de Itaparica e seus personagens folclóricos.

Agora, Ariano Suassuna. Quem poderia imaginar! Eu o ouvia, extasiado, quando ele contava suas histórias de Taperoá  ou quando citava  Inocêncio Bico Doce para alguma tirada cômica. Para não falar de suas presepadas do tempo de estudante,  como quando foi preso porque estava tomando banho nu no Rio Capibaribe. Levado à presença do delegado, este passou-lhe  uma reprimenda: “Então, o senhor estava tomando banho nu, não é, seu moleque?”  E Ariano, impávido: “Por que, seu Delegado, o senhor toma banho vestido, é? Uma vez, quando acabava de lançar seu Movimento Armoral,  Ariano mandou chamar três de seus amigos para uma reunião, talvez a mais curta da história: Francisco Brennand,  José Laurênio  de Melo e Gastão de Holanda, que participava, junto com Ariano e Laurênio, do “Gráfico Amador`”, a valorosa editora artesanal: -  “Chamei vocês aqui pra lhes dizer que vocês estão proibidos de morrer”. E despachou-os.

Sempre achei que os grandes escritores não morreriam nunca.  Descobri que estava enganado, e me conformo. E só não digo que serei o próximo da fila porque não quero parecer presunçoso.