18 maio 2012

Os Chineses chegaram


No início dos anos 90 os jornais não paravam de anunciar: “Os Chineses estão chegando!” Ao passar para a economia de mercado a China entrou num processo de crescimento acelerado, invadindo os mercados externos. Hoje, os jornais alardeiam: “Os Chineses chegaram!”

Governos e Empresários tentam explicar o que estão fazendo os Chineses, e procuram, desesperadamente, conter  a invasão de seus produtos, colocados aqui a preço de bolo de goma. Aqui e no resto do mundo. Na sua crônica de 12 de Março último “A China e nós”, Paulo Guedes analisa esse problema com grande maestria, a partir de uma pergunta que lhe fizeram em todos os lugares por onde andou no que ele chama, modestamente, “um rápido giro pelo exterior”: três capitais da Europa e as cinco maiores cidades dos Estados Unidos.  A  pergunta foi: “A desaceleração econômica da China pode derrubar a dinâmica do crescimento brasileiro?” Vale à pena ver  o texto de Paulo Guedes que, além da análise brilhante, brinda-nos com uma pérola de bom humor: “A atuação particularmente pirotécnica do Federal Reserve, o banco central americano, ao desvalorizar continuamente sua moeda ...”

Anos atrás tive a oportunidade conviver com os Chineses. Quando eu me dedicava à elaboração de projetos para a indústria têxtil trabalhei com um grupo de empresários interessado em montar uma fábrica no Brasil. Estávamos em Natal, Rio Grande do Norte, onde a fábrica seria instalada. Apresentei-lhes, orgulhosamente, o anteprojeto que havia elaborado no qual eu mostrava que, com a taxa de retorno do capital encontrada, o empreendimento se pagaria em seis anos, um recorde para os padrões brasileiros na época.

 “Muito comprido” – argumentaram  eles – “nós não investimos em nenhum projeto com retorno superior a três anos”. Essa era a dinâmica dos Chineses. E estou falando da década dos oitenta.

Convivi com Chineses em Singapura onde reinam soberanos. Diligentes, disciplinados, eficientes em tudo, cuidadosos nos detalhes, prestativos e, além disso, educados e gentis. E convivi com eles na Indonésia onde, em minoria étnica, eram segregados, perseguidos e vítimas de todo o tipo de preconceito. Só para dar uma ideia: Eu precisava ir a Bandung, cidade próxima a Jakarta,  onde eu me encontrava, numa viagem de última hora. Pedi a uma agência de turismo  que me reservasse  acomodação num hotel de Bandung. Meia hora depois veio a resposta: Impossível, todos os hotéis estão lotados. Implorei, e depois de três ou quatro telefonemas desesperados veio uma solução:
“Senhor, todos os hotéis em Bandung estão lotados. Eu consegui um quarto num “hotelzinho”, mas é chinês. O senhor vai querer assim mesmo?
Essa era a dimensão do preconceito que sofriam os chineses  na Indonésia, naquela época.

Eu me perdi em digressões porque minha intenção era falar da chegada dos chineses e acabei deixando-me trair pelas memórias. E foi pelas memórias que descobri uma verdadeira profecia sobre os chineses, lançada por Giovanni Papini, “o escritor maldito”, que conheci na minha adolescência.
No final de 1951 Papini concluía  “O Livro Negro” no qual o  personagem Mr. Gog apresenta a sua visão sobre o desenvolvimento da China. Nada mais atual, como veremos. E, antes que o meu incauto leitor abandone a sua leitura, por maçante que é, quero antecipar uma citação do que escreveu Papini:

 “Os Chineses serviram-se da república de Sun-Yat-Sen para se livrar dos parasitas do velho império Manchú; serviram-se do bolchevismo para se desfazer  dos parasitas da república burguesa; livrar-se-ão qualquer dia, sob uma bandeira escolhida por comodidade, dos parasitas do comunismo” ... “A eles pertencerá, com o tempo, a Terra.”

Através de um colóquio travado numa suposta entrevista de Gog com o pensador chinês Lin Yutang, Papini desvenda os meandros da cultura chinesa. Certamente nem todas as palavras atribuídas a Yutang teriam sido proferidas por ele.  Seriam frutos da interpretação que Papini fazia da leitura do filósofo, do qual era um leitor apaixonado e voraz. No imaginário colóquio,  “e sem maiores rodeios”,  Lin Yutang começa a explicar:

     - “O povo chinês é o mais perigoso que há no mundo e, por isso, está destinado a dominar a terra. Por séculos e séculos ficou fechado nos confins do imenso império porque acreditava que o resto do planeta não tinha nenhuma importância. Mas os Europeus, e depois os Japoneses abriram-lhes os olhos, os ouvidos e os espíritos. Quiseram à força arrancar-nos do nosso covil e hão de pagar caro a sua cobiça e curiosidade. Há um século que os Chineses esperam a vingança, e vingar-se-ão. A revolta dos Boxers, em 1900, não foi senão a primeira tentativa, mal conduzida e mal sucedida. Mas o povo chinês é astuto e paciente: escolheu outros caminhos. Em 1910 converteu-se à democracia republicana; em 1948 ao comunismo. Na realidade os Chineses não são conservadores, nem democráticos, nem comunistas. São simplesmente Chineses, isto é, uma espécie humana à parte, que pretende viver e sobreviver, que se multiplica e se deve expandir mais por necessidade biológica que por ideologia política.”
“O povo chinês é imortal, sempre igual a si mesmo, sob todas as dominações. Nem os Tártaros, nem os Japoneses, nem os Americanos, nem os Russos conseguiram ou conseguirão transformá-lo. Levará o tempo que for preciso mas o futuro a ele pertence” 

É neste ponto do colóquio, na verdade um suposto monólogo do filósofo chinês, que aparecem as palavras mencionadas na citação que antecipei.

Os chineses chegaram e é melhor recebê-los com simpatia. Por enquanto estamos preocupados apenas com a economia. Dentro de pouco será com a cultura e com a etnia.  Porque logo terá inicio a miscigenação e então seremos uma nação afrosinodescendente. Com muito orgulho.


07 maio 2012

Ruas



Pediram-me para falar de ruas. É tarefa que cumpro com agrado. Porque ruas são caminhos. E caminhos levam a destinos. E destinos são pessoas.  Ruas-caminhos.  Ruas-destinos.
De ruas-caminhos não vou falar porque delas já falou, com grande maestria, em seu alentado volume  “A Alma Encantadora das Ruas”, o grande cronista João do Rio. Falarei de ruas-destinos que, como pessoas, além de nome e alma  como disse o Cronista, também têm um corpo.

Começarei com o Albano Ruas, cidadão português, “moço distinto com exercício no Paço” digno Oficial da Guarda Civil do Estado de São Paulo, amigo de meu pai, nosso  vizinho de casa no Alto da Vila Maria, quando eu tinha oito anos de idade. Para mim, seu Albano representava a Lei, a Autoridade, a Sabedoria e a Elegância. Vê-lo em seu uniforme impecável azul marinho e botões dourados inspirava-me confiança. E era ele quem me trazia os gibis que formaram o meu embasamento cultural. Seu Albano me resgatou de um tombo catastrófico que levei quando estava “a chocar bondes”, apostando quem seria o último a pular do carro em movimento. Recolheu-me do chão, enxugou o sangue que me escorria dos braços e joelhos. Não disse palavra. Tomou-me pela mão e, sempre em silêncio, conduziu-me pela longa caminhada que leva da planície até o alto do morro.  Entregou-me à minha mãe e disse apenas: “Ele foi o último a saltar”.

Outro nome que tenho presente é Arnaldo Ruas, de São Paulo, um competente  profissional de informática, que atua como consultor de software. Tenho seu nome anotado pois talvez venha a precisar desse tipo de serviço num projeto que estou desenvolvendo: implantar, na minha nuca, um ship que permita silenciar os aparelhos de televisão instalados em todos os lugares que frequento: bares, restaurantes, consultórios médicos, bancos, salas de espera de qualquer natureza, feiras livres ou não, ônibus em viagens de longa distância, e até mesmo aquela maldita musiquinha dos atendimentos eletrônicos incluindo a frase “a sua  ligação é importante para nós”.

Agora quero falar de outro cidadão importante, também português: O senhor Antonio Ruas, presidente da AMBC – Associação de Municípios da Cova da Beira e editor da Capeia Arraiana, uma página da internet que defende os interesses daquela região que, segundo suas palavras, vai do  “Sabugal e do distrito da Guarda, movido à paixão pela Raia, pelas terras do Forcão, pelas Serras da Estrela, da Malcata e das Mesas, pelo Rio Côa e pelo povo valoroso que luta pelo futuro de uma região que alguns querem condenar ao fracasso”
Foi nessa página que encontrei uma ótima receita de caracóis que passo imediatamente a vocês:
Caracoleta  Deliciosa
Você vai precisar de: manteiga, alho, cebola, salsa, caldo de galinha, molho de soja e, obviamente, caracóis. (os da Cerdeira de Côa, fornecidos pela Caracol Real, são os melhores pois já vêm limpos e cozidos) Basta refogar o alho e a cebola na manteiga, acrescentar os demais ingredientes e, por fim, os caracóis.
Esta receita foi útil pra você? Então publique-a no facebook, mas não diga que fui eu quem deu a ideia.

Ruas há muitos e já que tomei o embalo  comecei a colecioná-los. Minha lista está à disposição de todos. Só precisarei de algum tempo para classificá-los, ainda não sei bem se por nacionalidade, profissão, projeção social, benfeitores da humanidade , vivos ou mortos, políticos ou ... deixa pra lá.

Absit injuria verbis 
Escrevi essa brincadeira de implantar um chip na nuca só para manifestar o incômodo que me é uma televisão ligada num momento em que eu não pedi, num volume que eu não suporto, mostrando  coisas que não me interessam e impedindo que eu possa ler o meu jornal sossegado. Sei que tem gente que gosta de ver  televisão à toda hora e não tenho nada contra elas. Elas não serão obrigadas a  implantar o chip, como eu sou obrigado a assistir a televisão delas.
A idéia do chip não era tão maluca pois o jornal O  Globo,  de 18 de Maio último, no Caderno Ciência, em matéria de página inteira, publica:  “Implante cerebral permite a tetraplégicos controlar braço robótico para mover e agarrar objetos”.
Que não haja ofensa nas minhas palavras.