25 agosto 2011

Delírio

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 Em sua anástase,  ressurgiu com alma nova. Mais puro, mais indulgente, mais humano. Antropomórfico, viu-se representado como um deus de oito braços abarcando um globo terrestre bífido que ele tentava manter unido. A seus pés, uma cártula indicava o seu destino. Sua dromofobia faria o resto. Temia ser considerado capto de mente e, antes que isso se confirmasse, mandar-se-ia para outros mundos. Novas terras, nova gente, novos ares. Novos sons, novos sabores, novos amores.

José Cândido Albino das Neves nunca se perdoou por ter nascido em Cabaceiras, aquele município perdido no semiárido  paraibano. Não porque a cor da sua pele, escancaradamente denunciada pelo seu nome, contrastasse com o tom chocolate do resto da população, conseqüência provável de algum holandês errante, perdido por aquelas bandas, mas porque não se conformava com o fato de que Cabaceiras, além da ridícula taxa de produtividade alcançada  no cultivo da macaxeira, ostentava o recorde de menor índice pluviométrico do país. O que, segundo ele, não era verdade. Aquele estigma o indignava, e atribuía o fato ao  erro cometido por um funcionário do IBGE, o qual, não acreditando no que via, inverteu os dígitos apresentados pelo pluviômetro no mesmo ano de sua instalação. A partir daí, conta a lenda, a engenhoca foi escalpelada pelos funcionários locais e o IBGE,  - oh! têmpora, oh! mores, - passou a repetir o mesmo resultado  ad perpetuam.

Cândido deixou sua terra natal em busca de um caldo cultural mais denso.
No Recife, passou noites sentado na balaustrada da Ponte  Buarque de Macedo dissecando  ossos imaginários de Augusto dos Anjos:  “Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Também das diatmáceas da lagoa ...”
A biblioteca da Universidade Federal de Pernambuco foi o seu cadinho de relíquias bibliográficas. Escritores coevos não lhe interessavam. Só demiurgos, e demiurgos não se fazem mais em nossos dias. No colofão de um tratado de semiologia encontrou o caminho para outras obras que o cativariam  no estudo dessa ciência. Dedicou-se com afinco e tornou-se professor na matéria, notabilizando-se por afabular os eventos dos quais participava e encantar seus alunos com hipotiposes.
Sua heterotopia deu-lhe fama. Fama e tédio. Não suportando mais a monotonia em que se metera, ouvindo bolodórios daqueles piriricas o tempo todo, excogitou sair-se da enrascadela e demandar por novos ares. Deixaria os alunos com seu assistente, aquele samango lutulento e mendaz que não fazia outra coisa senão preparar pernadas para tomar-lhe o lugar. Pois agora o teria.

Zé Cândido sairia dali. Tornar-se-ia um paguro e usufruiria de todos os benefícios que a nova vida lhe proporcionaria. Esta parataxia  o libertaria dos grilhões que ele mesmo se impusera. A palingenesia faria o resto. Partiria em busca do amor. Do amor! Aleluia! Aleluia!
Procuraria o amor, onde quer que ele estivesse. Nos cabarés da Lapa, nos inferninhos do Leme, nas fraldas do Mangue do Rio de Janeiro, fosse onde fosse.
Vestiu seu melhor terno e escolheu a melhor gravata. Dirigiu-se ao aeroporto. Tomou  o primeiro  avião e partiu em busca do AMOR. E foi aí que o palíndromo de seu desejo entrou em ação. Invertendo o objeto dos seus sonhos, inverteu o seu destino.
 Desembarcou em ROMA. E foi pedir a benção ao Santo Padre.








17 agosto 2011

O deslizar das encostas

            Aprés Wanderlino Teixeira Leite Netto

Janeiro está chegando e com ele as chuvas. As chuvas de Janeiro. As que devastaram Friburgo e as que voltarão a devastá-la, se as autoridades continuarem fazendo o que fizeram até agora: nada.
É tempo, portanto, de alertar a população.  E vou  fazê-lo, aqui, publicando o poema premonitório  escrito, anos atrás, pelo grande poeta Wanderlino Teixeira Leite  Netto. 


CAUSA E EFEITO
                                                                             Wanderlino Teixeira Leite Netto

Por favor, não chegue a tanto:
não lhe atribua culpa pelo pranto!
Deixe em paz o santo
com suas flechas e suas chagas expostas.
Afinal, temos todas as respostas
pro deslizar das encostas,
causa de tanta morte, tanta desolação.
Lembra do tapinha nas costas
dado em tempo de eleição?

Devo esclarecer: Wanderlino publicou este poema em 1991, no livro ÌGBÀSÍLÈ, pela Editora Cromos, de Niterói, RJ

05 agosto 2011

Sua face no book

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Lembro-me de que  quando apareceram os primeiros telefones celulares  um cientista americano, em declarações prestadas à imprensa, disse o seguinte:
“Existem coisas que a tecnologia nos oferece, que são absolutamente inúteis e logo se tornam imprescindíveis. O celular que o diga.”

Longe de ser inutil, celular não só se tornou imprescindível como se tornou vital para todas as camadas da sociedade: do Primeiro Ministro ao engraxate da esquina; da Primeira Dama até a mariposa que faz ponto num bar da Av. São João.

Da mesma maneira, facebook começou como uma brincadeira de estudantes inteligentes para fazer fofoca entre os colegas e exercitar sua habilidade na tecnologia da computação,  superou os mestres e deixou-os desmoralizados. Cresceu e hoje é uma empresa avaliada em 50 bilhões de dólares. E tudo para que? Falar de abobrinhas!

Não é bem assim. Se examinarmos o conteúdo das páginas  do Facebook veremos que, em sua grande parte, são futilidades, fotografias de péssima qualidade e opiniões inexpressivas, que consomem um tempo enorme para serem destiladas até que se chegue à gota final do produto. Mas o Facebook não é só isso. A rede conseguiu mobilizar multidões em questão de horas e só isso justificaria os seus cinqüenta bilhões de dólares. Como quando o cidadão Oscar Morales reuniu 10 milhões de pessoas em cidades da Colômbia, em protesto contra as Farc, ou como nas mobilizações que tem ocorrido recentemente nos países árabes em protesto contra as ditaduras. 
E assim, entre abobrinhas, fofocas e mobilização de massas, vamos enriquecendo nossa cultura e aperfeiçoando a cidadania.

 “Você tem notícias do fulano?”
 “Não. Procura no Facebook, ele está lá”
“Você sabe que fim levou aquele chato da quarta série que vivia pedindo    livro emprestado a todo mundo?”
“Ele está no Facebook, ficou rico. Montou uma editora.

Num interessante artigo publicado no “O Globo” de 11/02/11, o colunista Marcio Ehrlich ensina que  “A vida em rede é um aprendizado”. Ele começa com uma pergunta: “Você já se estressou com alguém no Facebook? ... já teve vontade de deletar alguém ... não se culpe por isso.”  A partir daí, Ehrlich analisa o prazer e as frustrações que a rede social nos proporciona e conclui:
“Admita. Estamos na rede para nos divertir. Desestressar do trabalho e do relatório atrasado ... portanto, se alguém lhe encher muito o saco, você não precisa deletar o seu próprio perfil e desistir da rede. Remova o inconveniente da sua lista. Esta é a modernidade social.”

Quanto a mim, recuperei a alegria de estar no Facebook.
Primeiro porque posso meter o pau em quem quiser – coisa que nunca fiz - e o pior que pode acontecer é me deletarem da lista.
Segundo porque, apesar de não pagar nada pelo Facebook, também ajudei, ainda que modestamente, a engrossar a conta de 50 bi do Markinho Zuckerberg e espero que, um dia, ele me seja reconhecido isso.

Tchau, nos veremos no Face, e  não esqueça: o tempo que você gasta na rede engrossa a conta do Markinho, não a sua.