02 janeiro 2010

DOS DELITOS DA INFÂNCIA

 Recebi um comentário à crônica “ O Patinete” que parece ter vindo de alguém que me é muito caro pois, fazendo ironia, brinca com a minha insistência em confessar delitos, sem ao menos mostrar arrependimento. Sabendo que se encontra ainda nos dez anos de idade, é facil imaginar o que viria pela frente. Comecei então a preparar uma resposta sem ter a certeza de que iria publicá-la. Eu mesmo queria entender melhor o assunto. Acontece que essa resposta ficou longa demais para o espaço permitido pelos comentários, porisso resolvi publicá-la aqui mesmo. Alinhei as minhas justificativas onde elas cabiam. Onde não, assumi, sem tergiversar. Não sei se resultou convincente, mas que ficou divertido, ficou.
Caro amigo Obrigado pelo seu comentário. O fato de saber que alguém já leu três crônicas minhas me enche de felicidade. O fato de saber que você lê minhas crônicas me enche de orgulho. Você tem razão, agora nem sequer mostro arrependimento. É que, contando as histórias, cheguei à conclusão de que na maior parte dos casos em que crianças de tenra idade cometem falhas, os verdadeiros responsáveis por esses delitos são os adultos. Veja bem: no caso de "O Falsário" o delinqüente não era o menino e sim a sociedade mercantilista em que ele vivia. Submeter uma criança à tortura da espera de uma figurinha que nunca sairá, forçando-a a consumir um produto além de suas necessidades, minando as economias da sua família na ilusão de que um dia irá receber uma retribuição justa pelo que gastou, é imoral, é obsceno, é criminoso. No caso de "A Velha" foi a indignação pela maneira com um filho, homem feito, tratava sua própria mãe. Foi compaixão pelo sofrimento de uma pobre velha abandonada em condições insalubres, tratada pior do que os próprios cachorros que lhe faziam companhia. Viciada pelo álcool devido à falta de uma alimentação adequada, pela ausência de uma nesga de carinho, ela se viu condenada a viver da piedade de uma criança, único ser humano com o qual tinha contacto. Aos 10 anos eu mal sabia o que era cachaça, mas sabia que era alguma coisa condenável porque, na Vila Maria, eu ouvia as mulheres reclamarem dos maridos que se detinham no botequim a bebê-la. Lembro-me bem da face crispada da pobre velha, do seu olhar esgazeado, de sua expressão de angústia, da ânsia com que ela esperava pela minha resposta temendo que fosse negativa. Foi o quadro mais comovente que vi em toda minha vida. Do outro lado havia um padre rubicundo que extraia tostões de adultos incautos usando como fórceps inocentes crianças, garantindo, com isso, o jerez que emborcava durante e depois da missa. Como mínimo, a cachaça dele era de melhor qualidade. Não hesitei um só momento. “Roubei de um padre para dar a extrema unção a uma velha” Quanto ao “O Patinete” não tenho desculpas. Ali foi delito mesmo, espontâneo, premeditado. Como atenuante só tenho mesmo o fato de que se tratava de meu próprio irmão, era tudo em família, não havia dano a terceiros e que, além do mais, ele me dava tantos cascudos que, feita a contabilidade, ele ainda saiu na vantagem.