01 maio 2013

A Mentira


Mentir, mentimos todos. A partir da mentirinha inocente, a chamada mentira social, supostamente destinada a proteger o destinatário ou preservar o mentiroso,  até a mentira criminosa que calunia, difama e leva o incauto à ruína. Ou mesmo a brincadeira estúpida com que se comemora o dia 1° de Abril.
Certo dia deixei minha primeira motocicleta estacionada na calçada da escola onde estudava . Em plena aula entra um colega e me diz:  -“Roubaram a tua motocicleta” Ao ver-me empalidecer e fechar os olhos o idiota grita: “Primeiro de Abril! Eu não tive um infarto porque naquela época eu tinha vinte anos.

Aprendi cedo que uma mentira,  por mais bem intencionada que seja, pode causar um dano irreparável. Quando nasceu o meu primeiro filho eu  morava no Chile. Naquela época, eu dispunha  de  automóvel - um  carrão enorme que me deixava encabulado - com o qual levava a criança para a escola. Para que ele aprendesse que a vida poderia ser diferente daquela que tínhamos eu o levava, de vez em quando, a passear de ônibus.
Nos anos sessenta havia em Santiago uma espécie de micro-ônibus   a que chamavam de “liebre”. No inverno as janelas da liebre permaneciam  fechadas e o fedor dentro do ônibus era inevitável, o que fazia parte do meu ensinamento. Um domingo saímos  para o passeio costumeiro e como o ônibus demorasse a chegar propus a meu filho que voltássemos para casa. Ele insistiu com o passeio. Depois de muitas tentativas sem que ele cedesse eu,  já cansado, resolvi inventar uma desculpa para não tomarmos o ônibus: Havia esquecido de levar dinheiro.
-“Se me olvidó la plata” - disse eu triunfante. A criança de quatro anos me olhou fixamente e permaneceu parada. Eu continuei andando, encabulado, sem olhar para trás. De repente senti sua pequena mão estalar de encontro ao meu bolso traseiro, onde costumava  guardar algumas cédulas.
-“Si que tu tienes ! – exclamou.

O ônibus passou alguns minutos depois. Foi a eternidade mais longa da minha vida. Entramos em silêncio e assim ficamos até o fim da viagem. Eu envergonhado e ele ferido. Ambos sabíamos que eu havia feito uma coisa muito feia.

“Si que tu tienes”. A mentira é nefasta, qualquer que seja ela. Cometida contra uma criança é um ato ignóbil, deletério, devastador. Isso eu aprendi cedo e tenho tomado muito cuidado.

Os críticos literários dizem que quem escreve memórias  mente sempre. Oscar Wilde também dizia isso. Mas eu discordo.


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