04 agosto 2010

MEU BANCO É (QUASE) PERFEITO

                                                   Gastão esperando pelo rendimento dos seus fundos 


                                  Esta é uma edição revista e atualizada de "Meu Banco é Perfeito" 

Ninguém vive hoje sem um banco. É o que me dizem. De fato, como poderia eu pagar contas e taxas, declarar imposto de renda, receber meu salário, administrar um cartão de crédito sem a magnânima ajuda de um Banco? Impossível. Por outro lado, para usufruir dos generosos serviços que um banco lhe presta você precisa ter talento administrativo e esperteza suficiente para não ser dessangrado.
 
O fato é que o mundo moderno se estruturou sobre um sistema financeiro diabólico no qual os bancos funcionam como capetas melífluos a distribuir benesses que terão, como único resultado, o aumento do seu próprio patrimônio às custas, é claro, da ingenuidade dos  correntistas. Exagero? Possivelmente. Os bancos inventaram o crédito, através do qual passaram a emprestar dinheiro, primeiro o próprio, e, esgotado este, o recolhido de - também emprestadores - menos avisados. A recompensa pelo empréstimo são os juros. Os juros são as células cancerígenas do sistema, coisa que ocorre em qualquer organismo vivo. Esses empréstimos eram zelosamente anotados em folhas e mais folhas de papel e, agora, em telas e mais telas de computador.
 Dois ou três anos atrás os maiores bancos do mundo perderam o controle – por incompetência ou por indústria – e passaram a emprestar dinheiro que não existia de verdade, isto é, só existia nas telas do computador. Como o dinheiro não existia de fato, os mutuários não conseguiram pagar seus débitos.  Então, a economia mundial entrou em colapso. Não foi isso o que aconteceu com o sistema de crédito imobiliário nos Estados Unidos? E, como os capetas trabalham em rede, a praga alastrou-se pelo mundo inteiro. Esta é uma visão simplória, admito. Mas se aprofundarmos a visão entraremos numa zona escura e não enxergaremos mais nada. De qualquer modo, não podemos nos livrar dos bancos. É até bom passar lá de vez em quando e tomar um cafezinho. Mas nunca tomar dinheiro emprestado.

Os bancos se modernizam a cada dia. Dá gosto acompanhar a evolução tecnológica do sistema bancário, impulsionada pelo uso cada vez mais fácil do computador, o que deveria encurtar as filas nos caixas. Encurtaram? Não. Elas são pré-determinadas. Quando as filas encurtam, retiram um caixa do guchê e elas voltam ao normal. Basta observar.

Com a finalidade de transferir para o correntista todo e qualquer custo operacional, os bancos criaram os terminais eletrônicos, colocados prudentemente do lado de fora da área de atendimento pessoal. Com isto pouparam o tempo do funcionário a quem caberia fazer os lançamentos de saque, extratos, pagamentos, etc. Pelo menos esperava-se que as coisas andassem mais depressa. Andaram? Não, porque ao criarem os terminais eletrônicos, os bancos também criaram as filas dos terminais eletrônicos - e tudo ficou na mesma. Na mesma, propriamente, não, porque criaram também a curiosa figura da funcionária que percorre a fila dos caixas  com a penosa missão de deslocar o cliente dali para o lado de fora.

-- Posso ajudar, o senhor vai fazer algum pagamento ou depósito? Por que não usa o terminal eletrônico?
-- Porque a fila de lá está maior do que esta.

Cansado de dar explicações sobre as minhas preferências  no que se refere ao sofrimento humano, decidi livrar-me do incômodo daquelas perguntas de uma vez por todas:

-- Posso ajudar, vai fazer algum pagamento? Por que não usa o terminal ?
-- Só respondo na presença do meu advogado!

Certa vez descobri que podia dar uma contribuição ao Departamento de Marketing do meu banco. Eu estava no balcão, esperando ser atendido, quando a gentil moça que sempre me atendia aproximou-se, prancheta na mão:

-- Senhor Severino, que bom encontrá-lo! Eu vi que o senhor não tem um seguro com a gente. O senhor precisa fazer um seguro.
--  E por que eu deveria fazer um seguro?
--  Ora, porque se o senhor vier a faltar... que Deus o livre, os seus filhos ficarão protegidos
--  E como é que eles vão ficar protegidos se eu não vou estar aqui para protegê-los?
-- Veja: o senhor paga um seguro mensalmente, de tanto, e se o senhor vier a falecer, que Deus o livre, os seus filhos vão receber tanto e tanto pelo seguro. Entendeu?
-- Não. Deixe-me ver. Eu pago, mensalmente, um tanto, durante tanto tempo, e, pelo tanto que eu ainda pretendo viver vou ter que desembolsar um tanto considerável da minha magra aposentadoria justamente quando, pelas deficiências da idade, mais preciso dela. E aí, quando eu morrer, eles vão receber essa bolada toda e gozar a vida? Não, decididamente tem alguma coisa errada nisso.
-- Mas é assim que funciona, Seu Severino!
-- Não, não. Se você quiser fazer um seguro comigo, você tem que fazê-lo em nome do meu pai. E, nesse caso, eu pagarei a mensalidade, não ele. Aí, sim, quando ele morrer eu é que entro na bolada. É justo. Fui eu que paguei por ela. Dessa forma eu faço o seguro.

Os olhos da moça brilharam. Logo puxou um formulário e começou:

-- Perfeito! Como é o nome dele?
-- Roberto Mandacaru.
-- Casado ou solteiro?
-- Viúvo.
-- Local de nascimento?
-- Campina Grande, Paraíba
-- Data de Nascimento?
-- 28 de Janeiro de 91.
-- Como 91 !!?
-- Ah! Desculpe, 1891.
-- Como assim, 1891? Quantos anos ele tem?!
-- Deixe-me ver... noventa e cinco.
-- Ah! Mas assim não pode...
-- Por que não pode? Eu não pedi nada. Foi você quem me ofereceu um seguro. Se o banco resolver, telefone-me... antes que meu pai morra.

Registrei esta pequena história porque me lembrei do meu amigo Agildo Mielli, grande trovador, que teve seu patrimônio garfado por alguém que usou um banco como ferramenta de trabalho. Ironicamente o Agildo havia escrito, anos antes, uma de suas melhores trovas:

“Gastão, rei dos vagabundos,
Não teme crise ou desgraça.
Só deposita seus fundos
No melhor banco da praça.”

Severino Mandacaru

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