16 julho 2006

LETRAS MIÚDAS DO CONTRATO

“Pai, vamos esperar o sol nascer?”
“Vamos, filho, vamos.”

Era o Caio, beirando os nove anos, que convidava o pai para mais um programa selecionado entre os tantos que ele, um inveterado admirador da natureza, vinha lhe proporcionando desde tenra idade. O nascer do sol já havia sido contemplado de muitos lugares: da praia do Arpoador, da Praia da Barra, das montanhas de Nova Friburgo e não sei mais de onde. Desta vez, seria da janela do apartamento. Decididamente Fernando havia transformado o filho num grande apreciador da natureza, respeitador da fauna e da flora, em duas palavras, um filho ecologicamente correto. Eu, tio avô, me orgulhava muito do Caio, não só por aquelas qualidades, mas também pela sua vivacidade e rapidez de raciocínio, além de uma reveladora habilidade para contar piadas.

Eram onze horas provavelmente. O pai lia o jornal. Caio caminhava de um lado para outro, excitado, prelibando o espetáculo na companhia confortadora do pai. Este, depois de alguns momentos, dobrou vagarosamente o jornal, encaminhou-se para o quarto, e deitou-se para dormir.

“PAI!? Você não disse que ia esperar o sol nascer?” 
“Disse, meu filho, e vou. Vou esperar o sol nascer, aqui na minha cama, porque é mais confortável. Você não me perguntou se eu queria “esperar” o sol nascer?. Então, você pode fazer a mesma coisa. Agora, se você quiser “ver” o sol nascer, você pode ficar lá na janela. De lá você vê.

E, amorosamente, enfiou-se em baixo das cobertas. E Guilherme, o irmão mais velho, que contemplava a cena, apontando o dedo para o nariz de um desapontado Caio, com voz solene e pausada:
“Letras miúdas do contrato, Caio, Letras miúdas do contrato!”